Politica - Natal - Ex-prefeita Micarla de Souza

Afastada da Prefeitura de Natal há um mês sob suspeita de desviar
dinheiro público, Micarla de Sousa diz ser um "arquivo vivo" e que foi
"condenada moralmente" apenas por "indícios".
Em entrevista à
Folha, a jornalista de 42 anos, cuja gestão era
reprovada por 92% da população, afirma que seu "martírio" começou após
"dizer não" a "poderosos e influentes" do Estado.
Segundo a Promotoria, havia uma "rede de corrupção" na prefeitura,
alimentada por verbas da saúde e da educação. Os recursos teriam bancado
supermercado, joias e até funcionários pessoais da prefeita afastada.
Com base em documentos e em dados telefônicos e fiscais, o Ministério
Público afirma ainda que servidores do primeiro escalão da prefeitura
agiam como tesoureiros pessoais de Micarla e do ex-marido.
Dona da afiliada local do SBT, Micarla diz que já vinha de família rica,
e que se endividou por ajudar "pessoas necessitadas". Afirma que a
crise de gestão em Natal, que enfrenta caos em diversas áreas, é
resultado do baixo crescimento do país. Leia a entrevista concedida no
último sábado (1º), mesmo dia em que o PV a retirou da presidência
estadual do partido:
FOLHA - Como está a rotina desde o afastamento?
MICARLA DE SOUSA - É a primeira vez que sou mãe "full time". É um
aprendizado. No começo foi difícil. Porque antes eu acordava às 6h30,
tomava café com os meus filhos e ia para a prefeitura. Sempre cheguei
tarde, não almoçava em casa. Quando aconteceu isso [afastamento], eu me
perguntava: o que eu vou fazer hoje?
O que foi mais difícil nesse período?
Trabalho desde os 16 anos. Estou com 42. Sempre trabalhei fora, como
jornalista, executiva, empresária, como política e empresária --porque
quando fui deputada continuei cuidando das empresas da minha família-- e
depois como política em tempo integral. Mas o mais difícil para mim, o
maior aprendizado, não foi a rotina. Foi ver quantas máscaras caíram
nesse período e como o poder faz amigos e a falta dele afasta as
pessoas. Posso confirmar aquela frase que diz que o poder embriaga
porque 90% ou mais das pessoas que me rodeavam desapareceram da noite
para o dia.
A sra. recorreu para tentar voltar à prefeitura. Se tivesse obtido decisão favorável, como teria sido esse retorno?
Tenho pensado muito sobre isso. Porque sou a primeira gestora na
história do país cassada por liminar judicial. Não fui julgada, não fui
denunciada. Não existe nada. Existem, apenas, como é colocado pelo
Ministério Público, indícios de que haja alguma coisa. E por indícios eu
fui julgada, condenada moralmente e afastada do meu cargo. Isso tem
sido doloroso porque fui eleita por 193 mil votos, por 50,8% da
população. Fui julgada sem direito à defesa. Nem o pior dos bandidos
passou pelo que passei.
Como avalia as acusações?
É muito fácil acusar as pessoas. Queria só lembrar que vim de família
que já tinha estrutura financeira que me permitia desde jovem ter acesso
a algumas coisas. Agora chegar e dizer que Micarla teve gasto mensal de
R$ 140 mil. Onde? [Francisco] Assis, que era secretário-adjunto
financeiro da Saúde, trabalhava comigo antes de meu pai falecer. Meu pai
faleceu há 14 anos. Ele [Assis] sempre cuidou da minha vida financeira.
Encontraram na casa dele uma planilha mostrando quanto eu devia e não
quanto eu gastava. Será que o fato de alguém dever, de ter cheque
especial estourado, de estar sem cartão de crédito há dois anos, dá a
alguém o direito de pensar que é uma pessoa má, que não tem caráter?
Como chegou a essa situação de endividamento?
Por não conseguir dar "não" a pessoas necessitadas. Quantas vezes peguei
meu salário, meu cartão de crédito, para ajudar alguém que chegava e
dizia: preciso fazer tratamento em São Paulo e preciso de passagem e
hospedagem? Quantas vezes reconstruí casas que estavam para cair na
cabeça das pessoas. As pessoas podem achar piegas ou duvidar. Mas isso
provocou um descontrole financeiro meu. Chegaram ao ponto de dizer que a
prefeita usava o dinheiro [público] para pagar a escola dos filhos. A
escola está no Imposto de Renda do meu ex-marido. O que querem provar de
mim? Até agora o que conseguiram provar é que tenho muito débito.
- O Ministério Público aponta indícios de que a sra. e seu ex-marido tenham recebido propina em contratos na área de educação.*
Encontrou-se um papel em que estava escrito "M" e "W" [segundo a
Promotoria, as iniciais de Micarla e Weber, o ex-marido]. "M" com
certeza não é Micarla. Posso provar e afirmar. Querem me transformar em
uma bandida e eu não sou.
A sra. usou verba pública para fins pessoais?
Nunca. Durmo com minha consciência tranquila. Pedi ajuda à minha mãe com minhas contas. Isso é crime?
A Promotoria aponta que seus auxiliares se desdobravam para pagar
suas contas pessoais. A sra. avalia isso como normal, considerando que
ambos ocupavam cargos públicos?
Talvez tenha errado nesse ponto. Deixei a mesma pessoa [Assis] por
questão de confiança. Porque ele fazia isso pra mim há mais de dez anos.
Mas não acho que tenha algo de obscuro nisso. Ele trabalhava com a
minha família há muito tempo. Ele fazia o trabalho dele na Saúde.
Desdobrava-se às vezes, sim, mas nunca teve dinheiro público envolvido
nisso.
Todos esses indícios são então inverdades, em sua visão?
Todos esses indícios me levam a crer que sou muito temida pelos
poderosos. Tenho a sensação de que sei demais, de que sou um arquivo
vivo de muitas coisas. O que aconteceu comigo foi uma grande história,
uma grande estrutura montada, e não foi da noite para o dia. Acho que
havia mais ou menos uma crônica da morte anunciada a partir do momento
que comecei a dar "não" a algumas figuras.
Quais figuras?
A partir do momento que comecei a dar "não" às pessoas mais fortes e
influentes do Estado minha vida começou a se transformar em um martírio,
um calvário. Enquanto alguns sentiam que me tutelavam minha vida era
tranquila. Quando viram que eu era um cavalo selvagem, que não tinha
como colocar cabresto, a minha vida começou a tomar outro rumo.
Inimigos políticos deram munição ao Ministério Público?
Não posso dizer quem fez ou deixou de fazer isso. Foi uma somatória de
questões como interesses quebrados e falta de apoios. Minha vida
política foi meteórica. Em quatro anos participei de três campanhas e
venci as três. Fui vice-prefeita em 2004, fui a deputada mais votada em
Natal em 2006 e em 2008 fui eleita prefeita no primeiro turno contra
todas as estruturas de poder da época. Fiz uma parceria com o povo.
Quais foram os frutos dessa parceria?
Entreguei 53 escolas de educação infantil em três anos. Investi muito em
saúde. Entreguei três Ames [ambulatórios médicos de especialidades],
uma UPA [unidade de pronto atendimento], o Hospital da Criança Sandra
Celeste, reinaugurei o Hospital dos Pescadores, o Hospital da Mulher.
Entreguei três maternidades. Passei de 2.000 crianças na pré-escola para
16 mil crianças. Três mil e duzentas famílias que moravam em favelas
agora têm casa.
Atualmente vemos algumas dessas áreas com problemas. A educação
ameaça suspender o ano letivo, há problemas de limpeza pública, ruas
esburacadas. Você se sente responsável por essa situação?
Não. Natal não é uma ilha. Está no contexto do Brasil, que quando assumi
tinha taxas de crescimento superiores a 8% e que vai crescer 1,9% neste
ano. Um país em que para os metalúrgicos da região do ABC paulista, uma
das maiores praças eleitorais do PT, não serem demitidos, retirou-se o
IPI dos carros. O IPI e o Imposto de Renda são formadores do Fundo de
Participação dos Municípios. Todos os municípios enfrentam
empobrecimento. Outro ponto agravante é que tivemos nesse último ano
bairros com inadimplência de 86% em relação ao IPTU. Alcançamos na média
geral 50% de IPTU não pago. Não existe mágica. É igual na nossa casa.
Se você tem despesa "X" e começa a ganhar menos, você tem que cortar. E
chega uma hora que não tem mais de onde cortar.
O descontrole financeiro pessoal da sra. não se refletiu na prefeitura?
De forma alguma. Que atire a primeira pedra o município brasileiro que
diga que não tem problemas. Em Fortaleza, em Recife, as pessoas reclamam
de lixo e buraco. Há exemplos positivos, claro. O Rio de Janeiro, por
exemplo, onde [o prefeito] Eduardo Paes [PMDB] tem apoio incondicional
do governo federal e do Estado. Em Natal falta apoio do Estado. No
âmbito do governo federal, quando Dilma assumiu consegui conquistar
muitos projetos. Sempre tive apoio dela. Infelizmente nada chegou em
tempo por causa de burocracia.
O que explica o índice de rejeição de 92% de sua gestão?
A falta de apoio político fez com que eu fosse um alvo fixo. E o fato de
eu não abrir exceções fez com que todos quisessem que eu não estivesse
mais ali. Eles precisam de alguém que seja manipulado, algo a que não me
propus.
Acredita que pode voltar ao cargo antes do dia 1ë [de janeiro de 2013]?
O mínimo que deveria acontecer seria me darem o direito de voltar e
fazer a minha defesa. Se sou colocada como bandida, como sustento depois
os meus filhos? Vai ter sempre alguém me olhando e desconfiando se a
história é verdade. Isso afeta não só a mim, mas aos meus filhos, minha
família. Como cristã, fico pensando quando Jesus estava ao lado de
Barrabás e Pilatos perguntou se ele queria se defender. Até ali, do lado
do pior bandido, Jesus teve direito de defesa. Eu não tive isso. Temo
que isso abra precedente para que outros gestores sejam julgados
moralmente, condenados, tenham suas vidas completamente dizimadas antes
de um processo judicial ser completamente concluído. Isso abre um
precedente perigoso para a democracia do país.
Qual é a Natal que você entrega a Carlos Eduardo [Alves, PDT]?
Uma Natal que por um lado tem possibilidades imensas. Consegui
conquistar R$ 338 milhões de recursos para a Copa. Tem um túnel, com
mais R$ 140 milhões, que vai acabar com todos os problemas de
alagamentos em Natal. Entrego uma cidade com R$ 10 milhões para
asfaltamento. Entrego uma cidade com possibilidades mil por conta da
Copa, mas também uma cidade que tem problemas sérios que são vivenciados
pelos gestores brasileiros, de redução de arrecadação e isso faz
diferença grande. Deixei uma Natal com certeza melhor do que quando
assumi. E ele [novo prefeito] vai ter a sorte que não tive: a questão
dos apoios. Eu desejo a ele muita sorte.
Quais são seus planos para 2013?
Eu saí da política. Volto a cuidar do que é meu, minha casa, minha vida
como jornalista, minhas empresas. Quero ficar com os meus filhos. Quero
escrever um livro, fazer uma trilogia sobre o início da cruz até os dias
futuros.
Vai continuar filiada ao PV?
Não. Acho que a Justiça, o Ministério Público, até parte da população
que não me conhece podia me tratar de forma distante, desconfiar de mim
ou colocar qualquer tipo de questionamento. Mas o meu partido e meus
companheiros não tinham esse direito. Durante oito anos fui presidente
do partido. E agora, no dia que acontece o afastamento, me trataram da
mesma forma do que os desconhecidos e a Justiça. Ninguém da direção
nacional chegou para me prestar solidariedade, perguntar o que estava
acontecendo. Simplesmente decidiram me afastar da presidência do
partido. Não fui convidada nem sequer para o ato do novo presidente. O
PV me tratou com ingratidão. Minha história com o PV sempre foi de amor.
Agora esse amor acabou. Essa dor do PV foi infinitamente maior do que a
dor da injustiça da Justiça. Vou me desfiliar nos próximos dias e
fechar esse ciclo.