domingo, 17 de abril de 2011

História dos Mártires - Parte 2

Religião - RN


Eliminando a resistência


Em Uruaçu, massacre eliminou os líderes locais para evitar que levante chegasse ao Rio Grande do Norte



A notícia do massacre em Cunhaú espalhou-se rápido entre os colonos luso-brasileiros do Rio Grande. Em Natal, mesmo suspeitando da conivência do governo holandês com o crime, alguns moradores influentes, liderados pelo padre Ambrósio Francisco Ferro, pediram abrigo no Castelo de Keulen. A princípio foram recebidos como hóspedes.


Outros, que não foram ao castelo, ergueram um paliçada para forticar a localidade conhecida como Potengi, distante cerca de três léguas (18 km) do Castelo de Keulen, às margens do rio Jundiái. O número de moradores refugiados na paliçada passava é incerto. Cronistas portugueses falam em "70 homens". Documentos holandeses citam 232 pessoas.


O terror aumentava a medida que chegavam notícias da marcha dos tapuias e potiguares, junto com o grupo de Jacob Rabbí, por vários localidades entre o Rio Grande e Paraíba. Os colonos juntaram armas e mantimentos para resistirem a um possível ataque e cerco dos índios e holandeses.


Alguns cronistas atribuem à vontade pessoal de Jacob Rabbí a ordem de ataque ao arraiá do Potengi. A lógica da guerra mostra que foi o próprio conselho holandês quem deve ter determinado o ataque que acabou no segundo massacre de colonos luso-brasileiros no Rio Grande. Uma paliçada, com homens em armas e prontos para a resistência, não deve ter parecido nada amistoso aos holandeses que já começavam a perder terreno para revoltosos, com táticas semelhantes, em Pernambuco.


Pesquisando nos arquivos de Haia para a causa da postulação dos martíres, monsenhor Francisco de Assis, encontrou documentos que provam a conivência do governo holandês. A reconstituição dos fatos, com base em documentos portugueses e flamengos, mostram que o cerco a paliçada do Potengi durou 16 dias. Foi iniciada em setembro pelo grupo de Jacob Rabbí e, depois, contou com reforços enviados pelo Castelo de Keulen, incluindo duas peças de artilharia. O bombardeio forçou a rendição dos luso-brasileiros.


Ocupada a paliçada do Potengi, os holandeses levaram cinco reféns para o Castelo de Keulen. Os demais colonos ficaram confinados a paliçada, mas já não tinham muitas esperanças sobre o que poderia acontecer. Diogo Lopes Santiago (Historia da Guera de Pernambuco) e Manuel Calado do Salvador (O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade) contam que o clima entre os refugiados era de "intensa religiosidade", fazendo-se penitências e procissões.


No Castelo de Keulen, aguardava-se a visita de um emissário do Alto e Secreto Conselho do Recife, Adriaen van Bullestrate, que deveria inspecionar o que acontecia no Rio Grande. No dia 2 de outubro chegou uma lancha ao castelo, com uma mensagem do conselho. Os historiadores consideram que era a ordem para executar os principais líderes dos colonos, desestimulando a revolta em terras do Rio Grande.


Não há comprovação dessa ordem, em outros registros históricos, mas o fato é que no dia seguinte - 03 de outubro - os 12 colonos que estavam no castelo são levados em botes para o porto de Uruaçu e executados. À morte deles, segue-se a chacina dos que estavam refugiados em Potengi, depois de terem sido retirados da paliçada e levados para o mesmo porto.


Perfis da fé e do ódio



Dados biográficos são imprecisos pela falta de registros sobre a população do século XVII nas colônias



Os nomes das vítimas de Cunhaú e Uruaçu constam de várias crônicas portuguesas do século XVII sobre a guerra contra os holandeses em Pernambuco. As três principais, nas quais o monsenhor Francisco de Assis Pereira baseou-se para elaborar a lista dos 30 mártires propostos para a beatificação, são as crônicas de Frei Manuel Calado do Salvador (in O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, de 1648), Diogo Lopes Santiago (in História da Guerra de Pernambuco) e Frei Rafael de Jesus (in Castrioto Lusitano, de 1679).


Abaixo, relação completa dos mártires, com detalhes biográficos de alguns.



Biografias


Padre André de Soveral


O sacerdote é um dos dois brasileiros incluídos na lista para a beatificação. Nasceu em São Vicente, litoral paulsita, em 1572. Como missionário jesuíta catequizou os índios no Nordeste do Brasil. Depois, já no Clero diocesano, foi pároco de Cunhaú, onde foi morto durante a missa com mais 69 fiéis.


Domingos de Carvalho


Além do padre André de Soveral, é o único dos fiéis mortos em Cunháu, identificado com segurança. Não há informações sobre seus afazeres, mas no corpo foram encontradas moedas de ouro, sinal de que devia ser algum mercado próspero. Há dúvidas se foi morto na capela ou na casa do engenho.


Padre Ambrósio Francisco Ferro


Português dos Açores, foi nomeado vigário do Rio Grande em 1636. Refugiou-se na Fortaleza dos Reis Magos (Castelo de Keulen), após o massacre de Cunháu, junto com mais cinco principais da cidade. Foi levado para a morte em Uruaçu.


Antônio Vilela Cid


Fidalgo, nascido em Castela, Espanha, veio para o Rio Grande em 1613 para assumir por ordens do rei Felipe II o cargo de capitão-mor. Nâo se sabe porque não exerceu a função, mas em 1620 era juiz ordinário em Natal. Casou com Dona Inês Duarte, irmão do padre Ambrósio Francisco Ferro. Acusado pelo chefe Janduí de ter sido cúmplice na morte de um holandês, na capitania do Ceará, foi preso no Castelo de Keulen por suspeita de conspiração.


Estêvão Machado de Miranda


Um dos principais da capitania do Rio Grande, casado com dona Bárbara, filha de Antonio Vilela Cid. Em 1643 fazia parte da Câmara dos Escabinos, espécie de câmara municipal junto ao governo holandês. Esteve na paliçada do Potengi e foi um dos cinco refêns presos na fortaleza. Junto com ele foram sacrificadas, em Uruaçu, duas filhas pequenas.


Antonio Vilela, o Moço


Filho de Antonio Vilela Cid. Retirado da paliçada do Potengi e morto juntamente com uma filha pequena.


Mateus Moreira


Estava na paliçada do Potengi. Teve o coração arrancado pelas costas e morreu exclamando "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".


Antônio Baracho


Também retirado da paliçada do Potengi. Teve o corpo amarrado a uma árvore. Arrancaram-lhe a língua e o castraram, colocando na boca os orgãos genitais. Foi açoitado e queimado com ferros em brasa.


Manuel Rodrigues de Moura


Resistente da paliçada do Potengi. Foi levado para o sacrifício com a mulher, que os cronistas não identificam o nome. Relatam apenas que, depois de morto o marido, ela teve os pés e as mãos amputados, sobrevivendo ainda por três dias.


João Lostau Navarro


Nascido em Navarra, a época incorporado à França de Henrique IV. Um dos mais antigos moradores da capitania do Rio Grande. Tinha uma "casa forte" na praia de Tabatinga, invadida por Jacob Rabbi após o ataque em Cunhaú. João Lostau resistiu e foi preso no Castelo de Keulen. Era sogro do tenente-coronel Joris Garstman, comandante holandês que governou o Rio Grande de 1633 a 1637.


João Martins


Jovem que liderava um grupo de sete companheiros. Pariciparam da resistência na paliçada do Potengi. Em Uruaçu foi convidado a passar-se para o lado dos holandeses. Como recusaram, foram mortos. João Martins foi o último a ser executado, após ter sido obrigado a presenciar a morte dos amigos.


Relação completa dos mártires


Mortos em Cunháu:


- Padre André de Soveral

- Domingos de Carvalho


Mortos em Uruaçu:


- Padre Ambrósio Francisco Ferro

- Antônio Vilela, o Moço

- José do Porto

- Francisco de Bastos

- Diogo Pereira

- João Lostau Navarro

- Antônio Vilela Cid

- Estêvão Machado de Miranda

- Vicente de Souza Pereira

- Francisco Mendes Pereira

- João da Silveira

- Simão Correia

- Antônio Barracho

- Mateus Moreira

- João Martins

- Uma filha deManuel Rodrigues de Moura

- A esposa de Manuel Rodrigues de Moura

-Antônio Vilela, o Moço

- Uma filha de Francisco Dias, o Moço

- Primeiro Jovem companheiro de João Martins

- Segundo Jovem companheiro de João Martins

- Terceiro Jovem companheiro de João Martins

- Quarto Jovem companheiro de João Martins

- Quinto Jovem companheiro de João Martins

- Sexto Jovem companheiro de João Martins

- Sétimo Jovem commpanheiro de João Martins

- Primeira filha de Estêvão Macado de Miranda

- Segunda filha de Estêvão Machado de Miranda

Jacob Rabbí teve carreira marcada pela crueldade


Na repressão desencadeada pelos holandeses na capitania do Rio Grande, após o início do levante em Pernambuco, o alvo mais frequente foi a população civil. Os agentes mais atuentes dessa repressão foram os índios - tapuias e potiguares - e o alemão Jacob Rabbí.


A figura de Jacob Rabbi inspirou diversas versões entre os cronistas e historiadores, a maioria delas demoníacas. Natural do condado de condado de Waldeck, emigrou para a Holanda e foi contratado pela Companhia das Índias Ocidentais. Os historiadores o consideravam judeu, mas essa é uma versão que vem sendo discutida e alguns autores já descartam essa possibilidade.


Rabbi chegou ao Brasil junto com o conde João Maurício de Nassau-Siegen, em 23 de janeiro de 1637, desembarcnado no Recife. Em território brasileiro, a missão do alemão era de intérprete junto aos indios aliados, no meio dos quais passou a viver, adotando alguns dos seus costumes. Casou com uma índica janduí, Domingas, e mostrou-se um observador culto. Seus estudos etnográfico sobre os índios não eram destituídos de valor e foi citado por autores posteriores, apesar dos manuscritos terem se perdido. Sintetizou suas informações sobre a vida indígena na obra " De Tapuryarum moribus et consuetubinibus, e Relatione Iacobbi Rabbi, Qui aliquot annos inter illos vixit".


No comando das tropas de janduís e potiguares, além de aventureiros que viam na guerra uma oportunidade de enriquecimento, Rabbí foi responsável por massacres e saques a engenhos entre nas capitanias do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco. Entre o massacre de Cunhaú, em 16 de julho de 1645, e o de Uruaçu, em 3 de outubro do mesmo ano, o aventureiro desceu em direção a Goiana (Pernambuco), saqueando tudo pelo caminho. Em meados de agosto, as margens do rio Goiana, foi detido e rechaçado por tropas luso-brasileiras, tomando então a decisão de voltar ao Rio Grande, onde atacou, em setembro, a paliçada do Potengi.


Por conta da morte de João Lostau Navarro, em Uruaçu, Rabbi foi morto em emboscada na noite de 4 de abril de 1646 – menos de um ano depois do massacre - quando sai de um jantar na casa de um certo Dirck Maeller, as margens do Potengi. As investigações apontaram como mandante do crime o tenente-coronel Joris Garstman, genro de João Lostau. Garstman chegou a ser punido e enviado de volta à Holanda, mas acabou anistiado e voltou ao Brasil, permancendo até 1654.

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